terça-feira, 8 de maio de 2012

Para conseguir o que se quer é preciso caprichar na bajulação

Dias atrás recebi um e-mail perguntando se eu poderia dar uma palestra na Escócia para fins de caridade. Tinha três motivos poderosos para recusar. Não gosto de ir a lugares que não possam ser alcançados de bicicleta a partir do Norte de Londres. Nunca tinha ouvido falar da instituição de caridade em questão. E eu não conhecia a mulher que escreveu a mensagem. Mesmo assim, em vez de dizer não, me vi aceitando o convite.
Para entender como isso aconteceu, estudei os e-mails que trocamos e tirei quatro lições sobre como levar as pessoas a fazerem coisas que elas não querem. Afinal, é disso que trata a administração.
Frequentemente, o dinheiro ou a autoridade levam a melhor, mas quando nenhum dos dois está disponível, a arte de convencer as pessoas a fazer certas coisas pode ser ardilosa. Mas essa mulher conseguiu.
Seu primeiro e-mail começou assim: "Ainda não nos conhecemos, mas espero que isso aconteça". Ela começou a declarar uma grande admiração por minhas colunas e disse que o conselho da instituição de caridade que ela representava ficaria "absolutamente entusiasmado" se eu concordasse em fazer a palestra e que todo o setor financeiro da Escócia passaria a esvaziar seus bolsos em nome de uma grande causa. Ela mencionou que duas colegas mais velhas minhas já haviam feito palestras no evento, e terminou a mensagem com mais saudações encantadoras.
Li aquilo e fiquei estranhamente incapaz de reagir. Não faz muito tempo que eu finalmente aprendi a dizer não. É algo que acabou se mostrando surpreendentemente fácil. Você simplesmente diz: "Não". Mas dessa vez, baixei a guarda e disse: "Não, mas...". Ficaria encantada em fazer a palestra em Londres, escrevi, mas infelizmente a Escócia é muito longe. Ela respondeu rapidamente. Não é longe, de maneira nenhuma. Ela me colocaria na primeira classe de um trem e eu poderia aproveitar as "poltronas confortáveis, um bom sistema de 'wireless', vistas maravilhosas e moças encantadoras servindo um bom café e xícaras de chá com biscoitos que você poderá (se for como eu) levar para os filhos. Seria um dia maravilhoso fora da rotina. De verdade". O que eu poderia fazer a não ser dizer sim? Não faz mal que meus filhos não ligam para biscoitos, ou a possibilidade de o café servido no trem ser revoltante. Eu topei.
A primeira lição a ser tirada disso é o poder extraordinário da bajulação. Para conseguir o que você quer, você precisa exagerar bastante. Não importa se você está sendo sincero ou não. Não importa nem mesmo se a outra pessoa sabe que você não está sendo sincera. Segundo um estudo da Universidade de Hong Kong, a bajulação ainda funciona, mesmo quando a pessoa que está sendo bajulada sabe que aquilo não é sincero. Não tinha motivo para acreditar que aquela mulher gostava de meus artigos, mas suas palavras conseguiram me dobrar. A única vez que a bajulação não dá certo é quando ela é tão ruim que as pessoas cometem erros. Não fico nem um pouco lisonjeada quando alguém diz: "ADORO sua coluna! Leio todo dia!" (A coluna é semanal).
A segunda lição é sobre o poder ainda mais extraordinário da pressão dos colegas. O truque é encontrar o grupo certo de outras pessoas para citar. Se eu tivesse sido informada que os palestrantes anteriores tinham sido David Cameron e Henry Kissinger, eu teria ficado paralisada, apavorada e meio boba. Em vez disso, ela preferiu mencionar duas mulheres que são parecidas comigo, só que mais bem-sucedidas e muito mais ocupadas. Se elas foram generosas com seu tempo, então uma voz irritante na minha cabeça disse que eu também deveria ser.
Esse é um pensamento fraco, mas perfeitamente normal. Lembro de ter lido um estudo do psicólogo Robert Cialdini que mostra que os hóspedes de hotéis têm uma propensão grande de reusar as toalhas se forem informados de que outros hóspedes fazem isso.
Tendo apelado com sucesso para a minha egomaníaca interior, ela estava chegando lá; em vez de dizer "não", eu disse o fatal "não, mas...". A terceira lição é a mais fácil: apodere-se de qualquer desculpa e acabe com ela com toda a energia e charme que você tiver. A outra pessoa não conseguirá recusar o convite sem parecer uma grande vilã.
A mais surpreendente é a quarta lição: a de que a crua realidade quase não tem força quando comparada a esses truques psicológicos. Ainda não sei o que essa instituição de caridade faz, uma vez que o site enviado no e-mail original não funcionou. Eu simplesmente assumi que era uma boa causa porque aquela mulher e minhas duas colegas a apoiaram.
Espero que possa haver mais uma lição com esta história. Quando eu subir no trem na estação King's Cross e me sentar na poltrona para apreciar os biscoitos, a vista e cinco horas de tranquilidade, poderei descobrir que "sim" às vezes pode ser uma resposta melhor que "não".

Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira

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