quarta-feira, 9 de maio de 2012

Tire suas dúvidas sobre reprodução assistida

Fonte: Folha de S. Paulo

A Folha ouviu sociedades médicas e especialistas para responder 15 questões sobre fertilização assistida, das causas da infertilidade às novas questões éticas, como o destino dos embriões não utilizados.

Leia a seguir as respostas e, no final, veja o quadro comparativo das diferentes técnicas usadas no tratamento de quem não consegue ter filho.

1. QUANDO UM CASAL É CONSIDERADO INFÉRTIL E DEVE PROCURAR AJUDA?
Por mês, um casal fértil tem 20% de chance de engravidar, afirma o ginecologista Eduardo Schor, professor da Unifesp.
Em um ano, mantendo relações sexuais regulares -duas vezes por semana em dias alternados- e sem contraceptivos, a maioria dos casais férteis de até 35 anos engravida. Se isso não acontecer, é preciso ir ao médico.
Com mais de 35 anos, o prazo para engravidar naturalmente é reduzido para seis meses. Cerca de 15% dos casais são inférteis, de acordo com Edward Carrilho, ginecologista da Clínica Engravida.
As causas são 40% femininas, 30% masculinas e 30% do casal. Para as mulheres, alterações de ovulação, como ovário policístico e endometriose, são as principais causas. Para os homens, varicocele (varizes nos testículos) e deficiências na produção ou na qualidade do espermatozoide.
A maioria dessas causas não tem sintomas. Para descobrir, só com exames: ultrassonografia, dosagem hormonal e espermograma.
2. HÁ UMA IDADE LIMITE PARA FAZER UM TRATAMENTO DE INFERTILIDADE?
Se a mulher quer engravidar usando os próprios óvulos, sim. "Não faço fertilização in vitro com óvulo próprio em mulheres com mais de 43 anos", diz Adelino Amaral Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. "A chance de sucesso é muito baixa."
Até os 35, a fertilidade da mulher fica mais ou menos estável. "Aos 40, ela já perdeu 80% da fertilidade", diz o ginecologista Paulo Bianchi, da clínica Huntington. Quer dizer que, naturalmente, a chance de ela engravidar é de 5% por mês. Com fertilização in vitro, o número sobe para 15% se a mulher tem 40 e cai a menos de 5% se tem mais de 43.
Se ela aceitar usar óvulos doados, a chance aumenta muito: depende da idade da doadora, que geralmente tem até 35 anos.
Ainda não existe limite de idade para a mulher receber óvulos doados. "Existe a ideia de fixar o limite em 55 anos. Por enquanto, isso depende da opinião do médico e da saúde da mulher", diz Silva.
3. QUAL A CHANCE DE TER GÊMEOS OU TRIGÊMEOS?
Na inseminação artificial, quando a ovulação é estimulada, a chance de gravidez múltipla é de 10%, segundo Edson Borges, especialista em reprodução humana da clínica Fertility. Na fertilização in vitro clássica ou com injeção de espermatozoide, a chance de ter gêmeos é de 20% a 25%, e de ter trigêmeos é de 5%, diz Paulo Bianchi, ginecologista da Huntington Medicina Reprodutiva.
Para se ter uma ideia, naturalmente, uma em 80 gestações resulta em gêmeos (1,25% de chance). O que faz a probabilidade ser muito maior na fertilização é o uso de dois ou mais embriões por tentativa. "Queremos aumentar as chances de gravidez, mas hoje vemos a gestação múltipla como um problema. O sucesso é ter um bebê sadio", diz Borges.
Para minimizar as chances de múltiplos, o Conselho Federal de Medicina recomenda introduzir no máximo dois embriões em mulheres com até 35 anos. De 35 a 40, pode-se introduzir três e acima de 40, quatro.
4. É POSSÍVEL SABER O SEXO DO BEBÊ OU SE ELE TEM ALGUMA DOENÇA?
O diagnóstico pré-implantacional é um teste nos cromossomos do embrião para identificar anomalias e doenças genéticas.
"Um subproduto do teste é saber o sexo, mas não pode ser a finalidade. O teste serve para ajudar pacientes que têm abortos repetidos, idade avançada ou doença genética familiar conhecida", diz Artur Dzik, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.
O exame mais moderno, chamado CGH, é feito quando o embrião chega ao quinto dia. "Nessa fase, podem ser retiradas cinco ou seis células, o que permite a análise de todos os pares de cromossomos", explica Arnaldo Cambiaghi, do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia.
Segundo Cambiaghi, antes do CGH o diagnóstico genético era feito com embriões de três dias. "Era menos confiável quanto ao resultado e menos seguro. Nessa fase, você só consegue retirar uma célula, não dá para saber se representa a totalidade do embrião", diz o médico.
5. O QUE ACONTECE COM OS EMBRIÕES QUE NÃO SÃO USADOS?
No Brasil, os embriões produzidos em laboratórios e não usados não podem ser descartados. Devem ser congelados e preservados na clínica por tempo indeterminado ou doados para pesquisa.
Segundo a resolução do Conselho Federal de Medicina, os "pais" do embrião devem deixar por escrito o destino que será dado ao material congelado em caso de separação do casal, doenças graves ou morte.
"O princípio é que você pode escolher não usar um embrião porque não quer ter um filho com uma doença, mas você não pode descartar algo que é compatível com a vida. O embrião pode ser descongelado anos depois e ser implantado com sucesso", diz Arnaldo Cambiaghi, do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia.
6. COMO É FEITO O CONGELAMENTO DE ÓVULOS?
A principal indicação é para preservar a fertilidade de pacientes com câncer. "Quase 50% ficam estéreis após o tratamento", diz Emerson Cordts, coordenador do Centro de Reprodução Humana da Faculdade de Medicina do ABC.
A técnica também é procurada por quem deseja adiar a maternidade e garantir a qualidade dos óvulos. A mulher precisa tomar hormônios que induzem a ovulação; os óvulos são "aspirados" pela vagina e congelados a -196º C em segundos. O processo é chamado de vitrificação.
Em mulheres com câncer, são usadas drogas específicas na hora de estimular o ovário, para evitar que os hormônios aumentem a progressão da doença, diz Solange Sanches, oncologista do hospital A.C. Camargo.
7. COMO É QUE FUNCIONA UM BANCO DE SÊMEN?
O banco coleta, congela e mantém amostras de sêmen para uso próprio (homens que podem ficar inférteis por tratamentos médicos etc.) e de doadores anônimos (para fertilização in vitro de terceiros).
No primeiro caso, paga-se uma taxa de congelamento e tarifas semestrais de manutenção. O sêmen pode ficar congelado por tempo indefinido, diz a médica Vera Beatriz Feher Brand, diretora do Pro-Seed, primeiro banco de sêmen do Brasil.
A doação deve ser anônima e gratuita. Quem doa recebe apenas os resultados dos exames prévios (espermograma e testes para DST). Quem compra as amostras recebe informações básicas do doador, como cor de pele, cabelos e olhos, tipo sanguíneo, altura, peso, profissão e hobby.
8. QUANTAS VEZES POSSO TENTAR A FERTILIZAÇÃO?
Nada impede que a mulher faça o procedimento várias vezes, pulando um mês se houver alterações no organismo, diz o ginecologista Edward Carrilho.
Mas cada tentativa de fertilização exige o uso de hormônios injetáveis aplicados pela própria paciente. "O tratamento causa um desgaste emocional e físico", diz o ginecologista Paulo Bianchi.
O ginecologista Newton Busso diz que é normal tentar de seis a nove vezes. Em alguns casos, os médicos percebem que não vai dar certo (principalmente se a mulher tiver mais de 40) e indicam a doação de óvulos.
Não há indícios de que o tratamento traga risco para a mulher. "Foram feitos trabalhos exaustivos e nenhum comprovou um risco maior", diz Karam Aboou Saab, ginecologista e professor da Universidade Federal do Paraná.
9. BEBÊ DE PROVETA TEM MAIS RISCO DE TER DOENÇAS?
Bebês nascidos por técnicas de reprodução assistida têm até quatro vezes mais riscos de malformações congênitas, afirma o urologista Jorge Hallak, coordenador da Unidade de Toxicologia Reprodutiva e Andrologia do HC de São Paulo.
A taxa aparece na maior pesquisa da área, feita na França com mais de 15 mil crianças geradas por fertilização in vitro e inseminação artificial.
Parte dos especialistas diz que o risco está associado ao maior número de gestações duplas ou tríplices.
Segundo o ginecologista Emerson Cordts, da Faculdade de Medicina do ABC e do Hospital São Luís, embora o risco não seja contraindicação à técnica, é dever do médico informar os pacientes sobre ele.
10. QUAIS SÃO OS EFEITOS COLATERAIS DA INSEMINAÇÃO?
Em quase todos os tratamentos a mulher toma hormônios para estimular a ovulação. Varia a dose: na inseminação artificial ela é até um terço menor do que na fertilização in vitro clássica.
Esses hormônios agem no ovário e podem provocar uma 'super TPM': "O inchaço e a sensação de desconforto pré-menstrual são intensificados", diz o ginecologista Edward Carrilho.
As altas doses de medicação também podem causar hiperestímulo ovariano em cerca de 2% das mulheres. "Além de inchaço, o tratamento pode causar formação de cistos e levar a derrames no abdome e no pulmão e à coagulação de sangue nas artérias. É uma situação grave", diz o especialista em reprodução humana Karam Abou Saab.
As mulheres mais propensas a ter hiperestímulo são as que têm ovários policísticos.
11. TODA MULHER PODE FAZER O TRATAMENTO PARA ENGRAVIDAR?
Os procedimentos são contraindicados para quem não pode tomar hormônio, como pessoas com doenças do fígado ou que já tiveram algum tipo de câncer hormonodependente (tumor na mama, por exemplo).
Além disso, o tratamento não deve ser feito, é óbvio, em casos nos quais a gestação é contraindicada: portadoras de doença cardíaca grave, hipertensão grave, tromboses recorrentes ou diabetes, segundo o ginecologista Newton Busso, diretor do Projeto ALFA (Aliança de Laboratórios de Fertilização Assistida).
12. SUS OU PLANO DE SAÚDE COBREM ESSES PROCEDIMENTOS?
A fertilização in vitro não faz parte da tabela do SUS. Há um pequeno número de hospitais estaduais que oferecem o tratamento gratuitamente, diz o urologista Rodrigo Pagani, do Centro de Reprodução Humana do HC de São Paulo, que tem atendimento gratuito. No Estado, além do HC, a fertilização in vitro grátis é oferecida no Hospital Pérola Byington. Nos dois locais, a fila de espera é grande.
Planos de saúde não cobrem o tratamento, mas já há pelo menos um caso de paciente que conseguiu ser pago pelo convênio médico por meio de decisão judicial. "Há uma lei sobre o direito ao planejamento familiar que inclui só vasectomia e laqueadura. Pacientes entram na Justiça com o argumento de que poder ter filho também faz parte desse direito", diz Pagani.
13. O MÉDICO PODE DOAR SEU SÊMEN PARA A FERTILIZAÇÃO?
Nas normas éticas sobre reprodução assistida, o Conselho Federal de Medicina proíbe que médicos ou membros das equipes das clínicas doem material biológico para a fertilização in vitro. "Fazer isso é falta gravíssima", diz José Hiran Gallo, coordenador da Comissão Nacional de Reprodução Assistida. Os envolvidos são processados e podem ser impedidos de exercer a profissão.
Infelizmente, não há nenhum teste que possa ser feito antes da fertilização que garanta a origem do material. "Para comprovar que foi usado sêmen de outro doador que não o escolhido, só fazendo um teste de DNA depois que o bebê nascer", diz Rodrigo Pagani, do Centro de Reprodução Humana do HC de São Paulo.
14. QUAL A HERANÇA DEIXADA POR ABDELMASSIH?
Roger Abdelmassih, que foi o mais famoso especialista em fertilização do país, está foragido desde janeiro de 2011, após ser condenado a 278 anos de prisão pelo estupro de 39 pacientes em sua clínica, em São Paulo. Há suspeitas de que ele usava sêmen ou embriões de outros que não os pais biológicos.
O escândalo "maculou a imagem da especialidade", disse José Hiran Gallo, coordenador da Comissão Nacional de Reprodução Assistida. Mas não diminuiu a procura por tratamentos: há mais de 200 serviços de reprodução assistida no país, segundo a Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.
Parte do espólio do ex-médico foi parar em uma clínica que fica na mesma avenida na zona sul de São Paulo onde funcionava a de Abdelmassih. Seus filhos trabalham para a Embryo Fetus, que herdou equipamentos e material laboratorial da antiga clínica de Abdelmassih.
15. E AS DISCUSSÕES SOBRE VALORES MORAIS ENVOLVIDOS?
A última resolução do Conselho Federal de Medicina a estabelecer normas éticas para a reprodução assistida é de 2010. Foram definidos o número de embriões a serem implantados, a anonimidade da doação e seu caráter não comercial e as regras para uso de útero de outra pessoa, de congelamento de material e de reprodução assistida pós-morte.
Segundo José Hiran Gallo, da Comissão Nacional de Reprodução Assistida, as próximas questões a serem analisadas pela comissão são a definição de um limite de idade para fazer a fertilização in vitro e o que fazer com os embriões congelados. "A lei proíbe o descarte, mas daqui a pouco teremos um problema de espaço para estocá-los", diz Gallo.
Editoria de Arte/Folhapress

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