O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá dar uma contribuição muito importante
- talvez decisiva - para o fim da desastrosa guerra fiscal, se editar a súmula
vinculante sugerida pelo ministro Gilmar Mendes. Segundo o texto proposto, é
inconstitucional "qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de
cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal
relativo ao ICMS concedido sem prévia autorização em convênio celebrado no
âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária". Trata-se de fazer valer,
com décadas de atraso, um conjunto de regras bem conhecido e nunca respeitado
pela maioria dos governadores. A guerra fiscal foi usada basicamente como forma
de atração de investimentos empresariais e de promoção do desenvolvimento de
alguns Estados à custa dos outros. Gerou muitas distorções e, apesar de
claramente ilegal, continua até hoje.
A súmula proposta pelo ministro Gilmar Mendes ao presidente do STF reproduz,
no essencial, a Lei Complementar n.º 24, de 7 de janeiro de 1975. Segundo essa
lei, isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias
só são válidas com base em convênios celebrados e ratificados pelos governos
estaduais e do Distrito Federal. A aprovação tem de ser unânime. A mesma regra
vale para outros benefícios - os mesmos indicados na súmula proposta ao
presidente do STF. A revogação total ou parcial poderia ser determinada por
decisão de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. A violação
da lei acarretaria a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal e a
cobrança do imposto não pago ou devolvido pelo Estado.
Passados 37 anos, a guerra fiscal continua, com participação de vários
Estados. Mais de uma vez o STF julgou ações a respeito do assunto e ordenou a
suspensão de incentivos ilegais. Isso jamais causou grande incômodo aos
governadores. Em muitas ocasiões, eles simplesmente substituíram o benefício
proibido pela Justiça por algum incentivo semelhante. Toda reação desse tipo foi
sempre uma evidente desobediência de uma decisão judicial, mas nenhum governador
foi punido por esse comportamento. Primeiro, o Confaz foi desmoralizado em uma
de suas funções mais importantes - a coordenação das políticas tributárias dos
vários Estados. Depois, a guerra foi parar nos tribunais e as decisões da
Justiça acabaram sendo tão irrelevantes, na vida real, quanto os artigos da Lei
Complementar n.º 75.
Medidas para eliminar a guerra fiscal foram incluídas em todos os projetos de
reforma tributária formulados no último quarto de século. Nenhum desses projetos
foi convertido em lei. Os congressistas nunca se ocuparam do assunto com empenho
suficiente para concretizar a reforma. Além disso, um tópico sempre foi
destacado em todas as discussões no Parlamento: a manutenção dos incentivos já
em vigor ou, no mínimo, a definição de um prazo longo para sua extinção.
Há alguns anos a guerra fiscal assumiu uma forma particularmente perversa. Em
vez de atrair empresas com incentivos para produzir, governadores começaram a
distribuir benefícios para facilitar a importação. Atraíram, com isso, empresas
interessadas em comprar produtos estrangeiros - em muitos casos, bens
intermediários, isto é, destinados à transformação. Criou-se, com isso, mais uma
forma de competição desleal com as indústrias brasileiras. Não se trata, como se
alegou, apenas de importação de insumos mais baratos que os nacionais. Isso
qualquer indústria pode fazer, dentro das condições normais de comércio. Trazer
produtos estrangeiros com incentivos ilegais é algo muito diferente e
injustificável.
A Resolução n.º 72 do Senado, ainda em discussão, é uma tentativa de
superação do problema, por meio de mudança na tributação das operações
interestaduais. Isso poderá tornar menos lucrativo o comércio dos produtos
importados com incentivos. Mas há resistência de vários governadores a essa
mudança. Uma decisão ampla do STF a respeito do assunto poderia ter facilitado,
há muito tempo, a eliminação do problema. Bastaria garantir o cumprimento da
lei.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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